segunda-feira, 21 de junho de 2010

O tempo pára V

Uma sala cuja alvura ofuscava a visão. Foi onde Luana acordou grogue e totalmente desonrientada. A sobriedade foi voltando, mas não adiantava olhar muito para os lados, pois a única coisa visível era o branco absoluto, num ambiente que não tinha quinas, arestas, qualquer espécie de canto que lembrasse um típico cômodo, que sempre tem algum ângulo reto. A jovem estava sozinha naquele lugar completamente incomum, mas não estava com medo, pelo contrário, uma paz intensa tomou conta do seu ser, que nunca se sentiu tão bem, tão em harmonia no decorrer da monótona vida.

O filme do seu cotidiano passava pela sua mente: o café com pão logo ao acordar, a espera pelo ônibus lotado para se deslocar ao trabalho, a quentinha de frango frito encharcado de óleo e colorau, a volta para casa mais apertada que sardinha em lata e a hora da novela, com um elenco canastrão e dublagem pior ainda (sim, a novela ainda era mexicana!). Depois, ela ia dormir com a camisola vermelha, cuja sensualidade o tempo roubou, transformando-a num mero trapo carregado de lembranças, enchendo-a de saudades de uma época em que era beijada, abraçada, desejada e tocada.

Luana estava naquela situação porque queria ou fazia-se de cega. Muitos ao seu redor olhavam para ela e se ofereciam para acabar com aquele sofrimento, mas inexplicavelmente ela se isolou para o mundo. Agora ela se arrependia, já que não sabia se um dia teria outra oportunidade, pois ela se encontrava enclausurada num lugar estranho e mesmo amarrada, sentia-se bem. "Será que eu morri? Será que eu estou no purgatório ou esperando meu julgamento?" - era somente nisso que pensava.

Juquinha tinha acabado de chegar da escola, quando viu que a sala estava revirada e a televisão estava quebrada. Procurou pela avó, pela tia, mas não encontrou ninguém. Resolveu ligar para o celular da mãe, mas este sempre repetia a famigerada mensagem: "Este celular está fora da área de serviço ou encontra-se desligado". O garoto de 10 anos resolveu chamar a vizinha, pois estava bem tenso e preocupado, pensando na possibilidade de sequestro.

Dona Gumercinda, uma senhora de 70 anos, temeu pelos vizinhos ao lado, mas com sua lucidez peculiar, ainda conseguia raciocinar: quem é que perderia tempo sequestrando pobretões? Mesmo assim, ela ligou para a polícia e depois seguiu juntamente com Juquinha, quando este retornava para casa.

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