terça-feira, 27 de abril de 2010

A Caixa

Toda meia-noite começava o meu martírio. Gritos histéricos incomodavam minha preciosa tentativa de sono e a frase repetida como um mantra pela minha tia era motivo de meu descontentamento não somente naquele horário, mas durante o dia inteiro! Eu tinha vontade de arrebentar aquele aparelho feito com uma caixa plástica, cuja parte frontal era ocupada por um grande vidro emissor de luzes coloridas formadoras de imagem.

Ao acordar, o "mantra" repetido cotidianamente era somado a mais um, igualmente irritante até para as mentes mais traquilas e evoluídas. Uma chuva de repetições tornava o exercício de permanecer em casa pela manhã dos mais desgastantes, pois o meu pensamento proferia somente duas frases:

--Quando será que vou livrar desse estágio evolutivo tão baixo? Será que o castigo terminará logo?

Era para ser um dos melhores momentos da minha vida, porém a realidade era o extremo oposto. A caixa plástica com vidro na frente ditava as regras no lar, palavra que nos remete a um lugar tranquilo, amável e acolhedor, mas o meu lar naquele momento não tinha nada de tranquilo, amável e acolhedor! A não ser que a solidão seja a sua única companheira em casa, você deve ter passado por provação idêntica ou ainda conhecerá na pele os efeitos dos exercícios forçados para desenvolver a tolerância em qualquer ser humano. Nem sempre os procedimentos dão resultados satisfatórios, pois explosões nervosas podem acontecem durante algum momento. A caixa me enlouquecia e qualquer tentativa minha de modificar a situação era vetada furiosamente pela minha tia e até pelo meu filho, na época com apenas três anos. Ambos estavam hipnotizados pelo aparelho emissor de mais baboseiras por segundo. Pobre criança, pois minha tia já era caso perdido!

A caixa perigosa domina além do meu lar. Só de imaginar o número gigantesco de residências com aquela coisa ligada, um arrepio percorre meu corpo, pois muito tempo precioso é desperdiçado enquanto inúmeras pessoas se deleitam com futilidades, mergulhando no poço sombrio e mortal da ignorância. O meu "carrasco" inventa várias maneiras de continuar a hipnose, porém a mais comum é derivada da teoria behaviorista, com o uso da repetição e do reforço positivo. Para manter as massas idiotizadas e não permitirem a quebra desse estágio, frases são repetidas a todo momento, reforçando as "vantagens" dadas em troca dos contemplados que gastam o dinheiro suado com telefonemas para poderem, quem sabe, ganhar a quantia gasta. Entendeu? Não é tão complicado quanto aparenta.

A maléfica engenhoca oferece dinheiro para quem ligar, na maioria das vezes quantias baixas equivalentes à conta telefônica de usuários de interurbarnos. Você liga em busca da sorte e pode ser o sortudo, mas quando pensa na possibilidade de usufruir o dinheiro percebe que terá que pagar pelos prejuízos resultantes da busca pelo dinheiro. Quem fatura cada vez mais são os responsáveis pelo funcionamento da caixa, que gastam menos para produzir as cores e sons idiotizadores, pois não terão que pagar cachês muito caros, porque utilizam os candidatos a sortudos como atração principal e para incentivar cada vez mais gente a gastar e encher os bolsinhos nada vazios deles.

O perigoso instrumento hipnotizador não é feito em outro planeta e tão pouco é instrumento de guerra alienígena, na verdade é algo bem conhecido pela humanidade, até pelos locais mais inóspitos e menos conhecidos por nós. Todos tem a caixa dentro de casa, inclusive no quarto e geralmente cada família possui mais de uma unidade. A caixa se chama televisão, que ilude, faz perder tempo, desvia o foco do que realmente é importante e profere a todos os instantes promessas falsas e distribui presentes de grego mundo afora. Não confie em sorteios e facilidades, pois a próxima vítima poderá ser você e ainda por cima perderá tempo na verdadeira busca pelo dinheiro. Faça cursos, leia livros, afinal o saber nos conduz a melhora. Cuidado com a ilusão da televisão.

PS: minha crítica não é ao conteúdo em geral da televisão, pois ainda há coisa que se salva sim e que vale a pena parar pra ver :). Estava criticando programinhas de ligar pra ganhar, que torravam a minha paciência...A vinheta do Fantasia me dava arrepios e não aguentava mais a minha tia me perguntando o que tinha na maleta do Britto Jr e na panela do Edu Guedes. Tinha vontade de dar umas respostas bem tortas.............

sexta-feira, 23 de abril de 2010

O retorno da caixa

De olho na telinha da maléfica caixa, a hipnose nunca cessa. A caixa não oferece somente recompensas financeiras, mas deleita o telespectador com "delícias" nada sáudáveis à alimentação intelectual. Não é somente a busca pelo dinheiro que motiva alguém a permancer horas a fio diante de um vidro...A curiosidade humana, principalmente quanto a assuntos nada relevantes é um fator que explica como é possível alguém permanecer tanto tempo com as nádegas "pregadas" em uma cadeira, sofá, poltrona, seja onde for.

Os assuntos irrelevantes para a vida de um indivíduo servem como meio de fuga, rumo a um mundo mais glamuroso do que o desbravado durante o cotiano. Um mundo onde não há necessidade de se espremer dentro de um ônibus, para chegar num trabalho muitas vezes odiado e que ainda por cima paga uma mixaria, um lugar onde o que acontece são festas, paquera e prêmios. Embora seja compreensível que um morador de uma beirada de igarapé ou de barranco, cuja casa vive ameaçada por qualquer temporal, esteja cansado de ver miséria e angustiar a alma com mais desgraças, é um crime alienar tais pessoas. A dimensão fantasiosa é repleta de anestésicos, para não dominar o pensamento crítico e diminuir a possibilidade dessa pessoa de abandonar a pobreza e rumar à bonança. Muitas pessoas perdem um precioso tempo "dando uma espiadinha" em indivíduos que não farão nada por eles, enquanto poderiam tentar fazer algo de concreto por si. A maioria permanece no voyerismo coletivo.

Um local bem interessante para constatar o poderoso efeito anestésico da caixa é o ônibus. Pelas janelinhas é possível ver indivíduos em suas casas ou nas bancas de rua paralisados diante de uma televisão ou ter como fundo sonoro, enquanto não chega a parada, conversas sobre as espiadinhas:

-- O fulano é um gato! Eu quero que ele fique!

-- Gato? Ele é um chato que só come, dorme e olha pra bunda das meninas. Ele tá jogando muito. Quero que ele saia.

-- Eu queria que ele olhasse para a minha, porque de mim teria o tratamento que merece...Ele é tudo de bom! Às vezes fico pensando se ele é bicha. Tem tanta garota bonita nessa edição e nada!

E assim vao continuando a conversa. Durante o dia todo desconhecidos falam intimamente de outros ilustres desconhecidos, como se convivesse com eles lado a lado. Talvez deêm mais atenção aos famosos anônimos da televisão do que aos próprios filhos, pais ou qualquer outra pessoa que realmente seja importante, pois não é difícil encontrar uma mãe falando com maior exatidão sobre os fulaninhos (de tamanho da cueca até a marca de papel higiênico que usa) do que sobre os próprios filhos, ignorando quem é o melhor amigo, notas na escola, entre outras coisas.

Vamos dar uma espiadinha, mas na nossa realidade.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Asqueroso mundo cão

Olha só o sangue
que pinga daquele jornal.
O papel não tem culpa
se muitos fazem o mal.
Só é reproduzida
a cruel realidade.
Depois dizem que isso
da imprensa é crueldade.

Na verdade pode ser,
dependendo do jornal,
mas na realidade
a humanidade dá
bastante material:
estupro,
homicídio,
bandalheira,
latrocínio,
fatricídio,
roubalheira...
Depois reclamam
que só se vê má notícia
o que varia é o tratamento
que se dá ao sofrimento.

Infelizmente a ética
está em extinção.
Cadáveres humanos são exibidos
com festa e animação,
como se fossem meros pedaços
de carne em uma churrascaria.
Troféu da primeira página
Quantas vendas!
Que maravilha!

E a vida que se foi?
Será que não tinha valor?
Alguns a tratam com respeito,
outros com indiferença.
Para o mundo cão
o que vale é a finança.
Banalização de gente.
Mundo doente.

domingo, 18 de abril de 2010

O Terço da Fome


Dia de São Sebastião. Minha família foi convidada para ir rezar um terço às sete horas da noite para comemorar o dia do santo e depois participar de um coquetel. Quando chegou o horário lá fomos nós.


Atravessamos a rua, entramos na casa da vizinha e lá estava a maior parte das pessoas dos arredores. Alguns estavam devidamente acomodados nas diversas cadeiras e banquinhos. Quem chegava depois se alojava rente às paredes, em pé mesmo. Os murmurinhos tomavam conta do ambiente, pessoas que não se viam há muito tempo se reencontravam e diziam as novidades boas e ruins. Juntamente com as vozes humanas em diversos tons e variações, o cheiro dos salgadinhos invadia as narinas de todos.


E começou o terço com ave-marias e pais-nossos, pequenos trechos da vida de São Sebastião...Se bem que de pequenos os trechos não tinham nada! A fome que tomava conta das pessoas presentes ali era bem maior. Para torturar melhor, a mesa onde estava a cobiçada comida ficava em outra sala e era possível vê-la através da grade. Os olhares se dirigiam mais para o outro cômodo da casa do que para a velhinha magra, alta, de cabelos cacheados e curtos que narrava com muito entusiasmo a vida de São Sebastião. Uma senhora nem olhava mais para nada. Estava com os olhos fechados entregue a um sono profundo, enquanto seu acompanhante tomava cuidado para ela não cair do banquinho quando se curvava muito. A maioria das expressões eram sérias e de descontentamento.


Enfim o terço termina e a dita velha magra, alta, dos cabelos cacheados e curtos se levantou do banco em que sentara para dizer:


-- Vamos conhecer mais um pouquinho da vida do nosso santo guerreiro!


Ela estava com um livreto na mão, procurando uma página, até que uma garotinha de aproximadamente cinco anos pergunta para a mãe num tom de voz nada discreto:
-- Mamãe, quando a gente vai comer?


A jovem morena deu uma olhada rápida no ambiente e estava com uma expressão encabulada. Porém a vergonha da mãe não era maior que a da velha, que guardou livreto, terço e qualquer outra coisa na humilde bolsa de pano e sentou-se num banquinho, sem dizer mais nenhuma palavra. De qualquer modo ela não conseguiria vencer o riso, soberano na ocasião.
--Vamos comer, venham! – dizia a dona da casa.


A senhora que dormia despertou num átimo e a garotinha sorria. Na realidade o sorriso pertencia a todos, pois na verdade ela apenas expressou o desejo da coletividade. A única a dizer a verdade foi uma criança! As expressões contentes voltavam para os rostos, principalmente ao saborearem uma coxinha ou um generoso pedaço de bolo, que calavam os gritos de fome de estômagos famintos, enquanto nem a maior narradora da vida de São Sebastião fazia companhia ao santo solitário no pátio ao lado.

sábado, 17 de abril de 2010

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Insone

Insônia que persegue
Meu amargo ser
Pelos vidros da janela
A claridade chega
E na cama
Meu corpo não descansa
Muito menos se aconchega

Meu corpo está moído pelo cansaço
Mas infelizmente minha alma noturna
Discorda do meu corpóreo protesto
A noite silenciosa e soturna
o chama
e minha mente reclama
mas simultaneamente
as idéias borbulham...

À noite viro uma filósofa
pois o sono me abandona
abraço prazerosamente o pensamento
mas em troca
do dia recebo o tormento

Assim como a noite traz inspirações
o dia me traz obrigações...

Foice dos Ventos

Caminha ao lado de todos
e nunca é percebida
Pode nos levar a qualquer hora
Das trajetórias dos vivos é a senhora


O abraço do vento frio
nos castiga e regozija


Trabalha em equipe com os saprófagos
entregando-lhes os corpos
e com ela levando as almas


Tempo é seu fiel companheiro
que também nos acompanha
No decorrer do caminho inteiro
ele nos dá rugas,
às vezes nem estes sinais.
A adúltera esposa nos beija
e depois dos nossos lábios
nem quer saber mais


Deste beijo todos fogem.
Ela prefere roubá-lo,
pois quando é procurada
geralmente fica desapontada,
mas não descarta a oferta.


Este ser é a dama da morte
que percorre o mundo
do sul ao norte
A maioria nunca a espera,
porém a todos acerta,
trazendo o alívio
ou então o tormento.


Muito prazer,
eu sou a Foice dos Ventos.



Poema bem antigo...
Homenagem a Peter Steele (04/01/1962 a 14/04/2010)

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Destruição de uma muralha

Bate forte coração,
pulsa como uma bomba
prestes a explodir!
Os lábios estão sempre
intensamente a sorrir,
para disfarçar
o descontentamento.


A explosão é contida
a todo instante,
mas destrói discreta e
milimetricamente...
O muro de contenção
está virando pó
e será desfeito,
resultando em partículas
mínimas e invisíveis,
propagadas ao esquecimento.


Não há muralha
que consiga proteger
da força sobrenatural
da raiva reprimida,
da lágrima não derramada,
da vingança adiada
e do eterno escape
chamado poesia.

Viagem numa jaula

A jaula invisível
É a mais difícil de romper
A mais dura para serrar
É o lugar considerado
O mais difícil para escapar...


Dias passam e o andar dos ponteiros
Continua exatamente o mesmo,
Acompanhando o ritmo
Da mesmisse cotidiana
Que nos aliena e nos engana
Com a certeza do tudo bom e certo


Os sonhos diferentes
Na verdade são os mesmos
Em toda parte do mundo
Eles se repetem!
Repetem!
Repetem!
Não importa quantos milênios se passaram...


A estrada tortuosa da vida humana
Com as mesmas linhas retas
Que distorcem a todo instante...
A fórmula é a mesma,
Mas os resultados são
Extremamente diferentes...

Correnteza

O rio dita o ritmo
com suas águas,
que nunca são as mesmas.
O rio de nossas vidas
é o onipresente relógio.
onde o conjunto
hora,
minuto
e segundo
formam a correnteza
cuja água parece a mesma,
mas não é a que se vê agora.


Ao acabar este poema
o que você viu
vai pertencer ao ontem:
o segundo que passou
já virou lembrança,
cristalizada na memória
e enterrada no coração.

Saudações

Olá povo!


Estava em casa pensando e pensando, compartilhando tudo com meu amigo caderno, onde as idéias se concretizam. Ao escrever mais um poema, deparei-me com outros emburrados e tristes, pois sempre estavam enclausurados entre as inúmeras linhas e, penalizada com aquela situação, atendi a súplica estridente daqueles poemas todos, perguntando o que eles queriam. Responderam em coro: "Queremos liberdade!".
Resolvi fazer alguma coisa por eles, para enfim conhecerem um mundo além do caderno e cheguei a conclusão de que um blog seria perfeito: local onde mais pessoas podem visualisá-los e tentar compreender a mensagem ou simplesmente o sentimento que passam. E fui mais além: resolvi abrir espaço para outros poemas deixarem a clausura, compartilhando este espaço com outros aspirantes a poeta que nem eu.
Espero que este blog sempre traga coisas interessantes a quem resolver acompanhá-lo e que una muitas pessoas em prol não somente dos poemas presos, mas também das crônicas, contos e qualquer manifestação literária encarcerada.

Que a ventania da inspiração toque todos vocês.