domingo, 18 de abril de 2010

O Terço da Fome


Dia de São Sebastião. Minha família foi convidada para ir rezar um terço às sete horas da noite para comemorar o dia do santo e depois participar de um coquetel. Quando chegou o horário lá fomos nós.


Atravessamos a rua, entramos na casa da vizinha e lá estava a maior parte das pessoas dos arredores. Alguns estavam devidamente acomodados nas diversas cadeiras e banquinhos. Quem chegava depois se alojava rente às paredes, em pé mesmo. Os murmurinhos tomavam conta do ambiente, pessoas que não se viam há muito tempo se reencontravam e diziam as novidades boas e ruins. Juntamente com as vozes humanas em diversos tons e variações, o cheiro dos salgadinhos invadia as narinas de todos.


E começou o terço com ave-marias e pais-nossos, pequenos trechos da vida de São Sebastião...Se bem que de pequenos os trechos não tinham nada! A fome que tomava conta das pessoas presentes ali era bem maior. Para torturar melhor, a mesa onde estava a cobiçada comida ficava em outra sala e era possível vê-la através da grade. Os olhares se dirigiam mais para o outro cômodo da casa do que para a velhinha magra, alta, de cabelos cacheados e curtos que narrava com muito entusiasmo a vida de São Sebastião. Uma senhora nem olhava mais para nada. Estava com os olhos fechados entregue a um sono profundo, enquanto seu acompanhante tomava cuidado para ela não cair do banquinho quando se curvava muito. A maioria das expressões eram sérias e de descontentamento.


Enfim o terço termina e a dita velha magra, alta, dos cabelos cacheados e curtos se levantou do banco em que sentara para dizer:


-- Vamos conhecer mais um pouquinho da vida do nosso santo guerreiro!


Ela estava com um livreto na mão, procurando uma página, até que uma garotinha de aproximadamente cinco anos pergunta para a mãe num tom de voz nada discreto:
-- Mamãe, quando a gente vai comer?


A jovem morena deu uma olhada rápida no ambiente e estava com uma expressão encabulada. Porém a vergonha da mãe não era maior que a da velha, que guardou livreto, terço e qualquer outra coisa na humilde bolsa de pano e sentou-se num banquinho, sem dizer mais nenhuma palavra. De qualquer modo ela não conseguiria vencer o riso, soberano na ocasião.
--Vamos comer, venham! – dizia a dona da casa.


A senhora que dormia despertou num átimo e a garotinha sorria. Na realidade o sorriso pertencia a todos, pois na verdade ela apenas expressou o desejo da coletividade. A única a dizer a verdade foi uma criança! As expressões contentes voltavam para os rostos, principalmente ao saborearem uma coxinha ou um generoso pedaço de bolo, que calavam os gritos de fome de estômagos famintos, enquanto nem a maior narradora da vida de São Sebastião fazia companhia ao santo solitário no pátio ao lado.

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